Perspectivas e desafios na atuação do mediador nas varas de família

PERSPECTIVES AND CHALLENGES IN THE ROLE OF THE MEDIATOR IN FAMILY COURTS
PERSPECTIVAS Y DESAFÍOS EN EL ROL DEL MEDIADOR EN LOS JUZGADOS DE FAMILIA

Por LUCIANA DE FIGUEIREDO SILVA MEIRELLES -  MEDIATIVA – Instituto de Mediação Transformativa e Tribunal de Justiça de São Paulo/SP, Brasil

RESUMO: Os meios alternativos de resolução de conflitos, especialmente a Mediação, criam oportunidades para partes em situação de conflitos familiares construírem soluções, transformando o antigo paradigma de apenas esperar que a decisão judicial resolva o impasse. Este artigo analisa a importância da qualificação do mediador judicial, identificando quais competências e habilidades são necessárias em sua formação para atuação nas Varas de Família. Ademais, descreve o modelo de formação prática do mediador judicial do Projeto de Cooperação firmado entre o Mediativa – Instituto de Mediação Transformativa, SP, e o CEJUSC Santo Amaro, SP, como um exemplo de modelo baseado no aprimoramento do mediador. Apresenta ainda uma situação concreta de conflito familiar, cuja análise permitiu reflexões sobre o papel e a capacitação do mediador. Os desafios atuais apontam para mudanças que podem contribuir na construção de uma nova mentalidade mais voltada para a pacificação e a coesão social.
Palavras-chave: Mediação, capacitação, Varas de Família.

ABSTRACT: Alternative means of conflict resolution, especially Mediation, creates opportunities for per- sons experiencing family conflicts to build solutions, transforming the old paradigm of just waiting for the judicial decision to resolve the impasse. This paper analyzes the importance of the qualification of the judicial mediator, identifying which competencies and skills are necessary in their training to work in Family Courts. It describes the model of practical training of the judicial mediator of the Cooperation Project signed between Mediativa – Instituto de Mediação Transformativa, SP, and CEJUSC Santo Amaro, SP, as an example of a model based on the improvement of the mediator. A concrete situation of family conflict is presented, the analysis of which allowed reflections on the role and training of the mediator. Current challenges point to changes that can contribute to the construction of a new mentality more focused on pacification and social cohesion.
Keywords: Mediation, empowerment, Family Courts.

RESUMEN: Los medios alternativos de resolución de conflictos, especialmente la Mediación, crean oportunidades para que personas viviendo conflictos familiares construyan soluciones, transformando el viejo paradigma de esperar la decisión judicial para resolver el impasse.
Este artículo analiza la importancia de la calificación del mediador judicial, identificando qué competencias y habilidades son necesarias en su formación para trabajar en los Juzgados de Familia. Describe el modelo de formación práctica del media- dor judicial del Proyecto de Cooperación firmado entre Mediativa – Instituto de Mediação Transformativa, SP, y CEJUSC Santo Amaro, SP, como ejemplo de modelo basado en la mejora del mediador. Se presenta una situación concreta de conflicto familiar, cuyo análisis permitió reflexionar sobre el papel y la formación del mediador. Los desafíos actuales apuntan a cambios que pueden contribuir a la construcción de una nueva mentalidad más enfocada a la pacificación y la cohesión social.
Palabras clave: Mediación. Empoderamiento, Tribunal de Famílias.

INTRODUÇÃO

Como mediadora e facilitadora da comunicação no contexto judicial desde 2013, atuo conduzindo audiências de conciliação e mediação. Na ocasião de minha formação como mediadora na Abordagem Transformativa no Instituto Familiae (de 2005 a 2007), perspectivas foram se abrindo, principalmente porque tive a oportunidade de conviver com profissionais do Direito e de algumas profissões ligadas a outras áreas do conhecimento com as quais tinha pouco contato.

Assim, novos repertórios de saberes foram se juntando aos da profissional psicóloga, cuja atuação se concentrava na prática clínica da psicoterapia individual, de casais e de família.
Depois de cumpridas as etapas teóricas e práticas da capacitação em mediação judicial, passei a integrar o corpo de mediadores do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC). Os centros foram criados pela Resolução CNJ 125/2010, para abrigar a nova política pública de Resolução Adequada de Conflitos.

Com o passar do tempo, constatei com entusiasmo uma abertura no sistema judiciário para a construção de termos de parcerias e de projetos institucionais. A partir de 2018, casos são encaminhados pelos operadores da justiça: juízes, equipe técnica das varas e outros operadores do Direito.

Em geral, considerando a lógica adversarial presente nas demandas ajuizadas nos tribunais, recebemos encaminhamentos tanto de casos processuais quanto pré-processuais complexos, e os envolvidos nos conflitos, ao serem convidados para um encontro de pré-mediação, passam a conhecer uma nova ordem jurídica. A expressão “pré-mediação” foi criada pelo professor Kazuo Watanabe1, o qual considera que a mediação é mais adequada para a solução dos conflitos de natureza subjetiva, como as que ocorrem nas relações de família. No contexto jurídico, é importante que a solução do conflito se dê com a preservação do relacionamento pré-existente entre as partes.

Na mediação, a solução da controvérsia é encontrada pelas próprias partes, com o auxílio de um terceiro facilitador, denominado mediador, o qual considera os interesses, as necessidades e as possibilidades das partes, portanto a solução será adequada à especificidade de cada controvérsia.

Considerando que a mediação de conflitos no Brasil tem deixado de ser uma atividade restrita a mediadores independentes, tornando-se uma prática recomendada por juízes, cabe, neste momento, a experiência de construir e implementar formas de oferecê-la de modo a estimular as pessoas, dentro e fora do poder judiciário, a resolverem suas disputas contando com a ajuda do terceiro imparcial. Nesse sentido, penso ser importante diferenciar as duas lógicas: de um lado a lógica do litígio judicial e de outro a lógica da mediação judicial. Essa distinção nos ajuda a compreender o fato de que as pessoas encaminhadas para a mediação judicial comumente chegam encarando-se como adversárias e a audiência de mediação (até por conta de sua denominação) parece trazer implicitamente a ideia de disputa ou a percepção de que a lógica contida nos autos do processo judicial permanece presente durante a realização da mediação.

Pelo Novo Código de Processo Civil (NCPC), de 2015 (Lei nº 13.105, 2015), que está em vigor desde 18 de março de 2016, a mediação alcançou um patamar que privilegia oferecer possibilidade de entendimento entre as partes durante o transcorrer de um processo judicial. Isso significa que, havendo concordância de ambas as partes, inicia-se o procedimento da mediação, ficando suspenso o processo judicial por determinado tempo ou enquanto durar a mediação. O desafio no processo judicial é o fato de que o mediador precisa ter habilidades para atravessar,

Pode-se também afirmar que, na mediação judicial que ocorre nas Varas da Família, as possibilidades de diálogo estarão inicialmente reduzidas em razão das pessoas terem escolhido entrar com um processo. Podemos pensar que restaram ineficientes as tentativas de resolverem suas questões familiares por si mesmos e seus conflitos de interesses se transformaram em pedidos jurídicos. Assim, o conflito judicializado é um litígio instituído que quase sempre diminui as chances de que se restabeleça o diálogo, mas ao dar visibilidade às partes, a mediação se torna um caminho para esse diálogo e favorece a construção de cidadania e responsabilidade social.

Considerando que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) propôs uma formação básica para mediadores judiciais, a qual pode ser ampliada por práticas continuadas de aperfeiçoamento, surge a questão: quais são os cuidados e ampliações necessários na formação do terceiro facilitador para que se mantenha alinhado aos princípios, habilidades e finalidades da mediação judicial?

As mudanças ocorridas nos últimos anos indicam que está em construção uma nova visão da justiça, como algo além de uma sentença, e preservar as relações pessoais representa um valor social. A tendência aponta para a construção de entendimento e respeito entre as pessoas que podem e devem conhecer, então, formas mais adequadas de tratar os seus conflitos.

Dessa maneira, a delimitação do tema deste artigo parte do acesso a uma ordem jurídica que propõe a mediação como uma etapa processual legítima estabelecida em Leis e Resoluções. Nesse novo lugar que nos é oferecido e que aceitamos, somos convidados a aproximar pessoas que judicializaram suas questões pessoais e familiares, considerando cenários onde ex-casais e filhos estão envolvidos em processos litigiosos.

Assim, o objetivo colocado para este artigo é analisar a importância da qualificação do mediador judicial, identificando quais competências e habilidades são necessárias de serem desenvolvidas em sua formação, considerando as perspectivas, as especificidades e os desafios no atendimento de situações consideradas litigiosas no contexto das Varas de Família.

Tem-se como ponto de partida o princípio de que educar/capacitar/formar pessoas para atender às necessidades de um mundo complexo e plural é um processo que não está voltado para o conformismo, mas sim para a liberdade e a autonomia (Bernardes & Yazbek, 2016).

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